terça-feira, 19 de maio de 2015

O drama da água

Ladislau Dowbor[1]

20 de março de 2015

O ciclo hidrológico é uma democracia – um sistema de distribuição para todas as espécies vivas. Na falta de democracia da água, não pode haver vida democrática. Vandana Shiva, Les femmes du Kerala contre Coca-Cola
The principle equitiy, perhaps more than any other technical consideration, carries with it the promise of a more water-secure world for all. – World Water Development Report 2015

Um bom ponto de partida é o antropoceno, conceito que ajuda a entender a amplitude do impacto do ser humano, este bípede irrequieto e capaz tanto de criar como de destruir, sobre todo o planeta. De 1750 para cá, com os avanços tecnológicos e a progressão demográfica, geramos uma nova era. O planeta está literalmente em nossas mãos. Em 1900, quando nascia meu pai, éramos 1,5 bilhão de pessoas. Hoje somos 7,3 bilhões, indo rapidamente para os 10. Esta comparação ajuda a entender o ritmo histórico desta explosão demográfica, pois estamos pouco acostumados a pensar o longo prazo. É muita gente, todos querendo consumir mais, com tecnologias cada vez mais poderosas, tanto de extrair como de transformar e contaminar. Esta mistura é tóxica, a não ser que aprendamos a nos administrar de maneira coerente com as necessidades e possibilidades reais.

O relatório de 2014 do WWF resume o  drama em uma frase: “Atualmente, a população global está cortando as árvores mais rápido do que podem crescer de novo, capturando peixes mais rápido do que os oceanos conseguem recompor os estoques, bombeando a água dos rios e dos aquíferos mais rápido do que as chuvas conseguem preenchê-los e emitindo mais dióxido de carbono que aquece o clima do que os oceanos e as florestas podem absorver.” Em 40 anos, entre 1970 e 2010, eliminamos 52% da vida selvagem do planeta, sendo que a destruição maior se deu no bioma de água doce, onde perdemos 75% da vida vertebrada.[2]
O setor de água e saneamento, no sentido amplo que aqui lhe damos, não padece da falta de conhecimentos técnicos ou de engenheiros, e o seu problema sequer é de financiamento. É a dinâmica de regulação do setor que é completamente inadequada, frente às relações técnicas que o caracterizam e às relações sociais e ambientais de uma sociedade moderna. O eixo de transformações necessárias não se circunscreve nem na estatização nem na privatização. Trata-se, antes de tudo, da democratização dos processos de decisão. Aqui, como em outros setores, a ausência desta democratização está acarretando gigantescos custos econômicos e sociais para a sociedade. 
Os textos apresentados no presente volume, curtos e diretos, permitem um sobrevôo deste drama em construção, cobrindo áreas tão variadas como a situação do Brasil em geral e das metrópoles em particular, os dramas explosivos do oriente médio ou de países africanos, o poder das multinacionais da água, as resposta que vão desde as cisternas do Nordeste até os programas de remunicipalização da água, as guerras pelo controle das reservas com grandes usuários e poluidores corporativos, os pactos indispensáveis para a regulação adequada deste recurso vital e cada vez mais escasso.
Ladislau Dowbor é professor titular de economia e administração da PUC-SP, e autor de numerosas publicações, disponíveis online (creative commons) em http://dowbor.org . Contato ldowbor@gmail.com