Ladislau Dowbor[1]
20 de março de 2015
O ciclo hidrológico é uma
democracia – um sistema de distribuição para todas as espécies vivas. Na falta
de democracia da água, não pode haver vida democrática. – Vandana Shiva, Les femmes du Kerala contre
Coca-Cola
The
principle equitiy, perhaps more than any other technical consideration, carries
with it the promise of a more water-secure world for all. – World Water
Development Report 2015
Um bom ponto de partida é
o antropoceno, conceito que ajuda a entender a amplitude do impacto do ser
humano, este bípede irrequieto e capaz tanto de criar como de destruir, sobre
todo o planeta. De 1750 para cá, com os avanços tecnológicos e a progressão
demográfica, geramos uma nova era. O planeta está literalmente em nossas mãos.
Em 1900, quando nascia meu pai, éramos 1,5 bilhão de pessoas. Hoje somos 7,3
bilhões, indo rapidamente para os 10. Esta comparação ajuda a entender o ritmo
histórico desta explosão demográfica, pois estamos pouco acostumados a pensar o
longo prazo. É muita gente, todos querendo consumir mais, com tecnologias cada
vez mais poderosas, tanto de extrair como de transformar e contaminar. Esta
mistura é tóxica, a não ser que aprendamos a nos administrar de maneira
coerente com as necessidades e possibilidades reais.
O relatório
de 2014 do WWF resume o drama em uma
frase: “Atualmente, a população global está cortando as árvores mais rápido do
que podem crescer de novo, capturando peixes mais rápido do que os oceanos
conseguem recompor os estoques, bombeando a água dos rios e dos aquíferos mais
rápido do que as chuvas conseguem preenchê-los e emitindo mais dióxido de
carbono que aquece o clima do que os oceanos e as florestas podem absorver.” Em
40 anos, entre 1970 e 2010, eliminamos 52% da vida selvagem do planeta, sendo
que a destruição maior se deu no bioma de água doce, onde perdemos 75% da vida
vertebrada.[2]
O setor de
água e saneamento, no sentido amplo que aqui lhe damos, não padece da falta de
conhecimentos técnicos ou de engenheiros, e o seu problema sequer é de
financiamento. É a dinâmica de regulação do setor que é completamente
inadequada, frente às relações técnicas que o caracterizam e às relações
sociais e ambientais de uma sociedade moderna. O eixo de transformações
necessárias não se circunscreve nem na estatização nem na privatização.
Trata-se, antes de tudo, da democratização dos processos de decisão. Aqui, como
em outros setores, a ausência desta democratização está acarretando gigantescos
custos econômicos e sociais para a sociedade.
Os textos
apresentados no presente volume, curtos e diretos, permitem um sobrevôo deste
drama em construção, cobrindo áreas tão variadas como a situação do Brasil em
geral e das metrópoles em particular, os dramas explosivos do oriente médio ou
de países africanos, o poder das multinacionais da água, as resposta que vão
desde as cisternas do Nordeste até os programas de remunicipalização da água,
as guerras pelo controle das reservas com grandes usuários e poluidores
corporativos, os pactos indispensáveis para a regulação adequada deste recurso
vital e cada vez mais escasso.
Ladislau
Dowbor é professor titular de economia e administração da PUC-SP, e autor de
numerosas publicações, disponíveis online (creative
commons) em http://dowbor.org . Contato ldowbor@gmail.com
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